NoMo
NoMo (not mother) é o termo em inglês para denominar as mulheres que decidem não optar pela maternidade e buscam acolhimento por essa decisão.
Escrito por Erika Rampazo com texto de Tatiane Boute
É preciso coragem para sustentarmos decisões emocionalmente difíceis. E entre as situações inevitáveis da vida da mulher contemporânea está a decisão sobre a maternidade. Ainda que aparentemente tenhamos a prerrogativa da escolha, pouco se fala a respeito da pressão cultural que sentimos nesse momento. Tenho a impressão de que ainda não temos a “permissão” para falarmos sobre isso - principalmente quando queremos dizer que não queremos ser mães - de uma forma que ninguém aponte o dedo e nos julgue por isso, ou ainda plante a semente da dúvida, tem certeza?
Optar por não ser mãe é ainda uma escolha muito difícil de se declarar nos tempos atuais. Socialmente sentimos a pressão para que venhamos a exercer essa função, como se pouco importassem as razões por traz dessa escolha, inerentes e particulares para cada mulher. Me soa um tanto quanto taxativo imaginar que, ainda nos tempos de hoje, tenhamos tanta dificuldade de nos posicionarmos nesse sentido, dado o comum julgamento.
Particularmente, a maternidade nunca me atraiu. Nunca me senti envolvida pelo sentimento de que “meu sonho é ser mãe”. Não acredito que esse sentimento é de egoísmo ou que estou fadada a solidão, pelo contrário, adoro crianças e elas enchem minha casa de alegria mas a maternidade, neste momento, não é o que eu quero para minha vida. TIC, TAC, TIC, TAC ….sei que o tempo é ingrato, que existe a pressão familiar mas, na condição de mulher, desejo que possamos falar mais a respeito, despertarmos para conseguirmos tirar “esse rótulo” e vivermos verdadeiramente nosso próprio desejo.
“Coragem não significa ter medo e fazer mesmo assim. Coragem significa viver de dentro para fora. Coragem significa, em todos os momentos de incerteza, se voltar para dentro, procurando o saber, e dizer o que você deseja em voz alta”. Glennon Doyle.
Quanto sociedade avançamos nos debates sobre adoção e congelamento de óvulos. Conseguimos trazer à superfície as prioridades de carreira da mulher e falar abertamente sobre as dificuldades reais no maternar conciliando diversos papéis. Mas ainda é um tabu falar sobre eventual indecisão sem se sentir pressionada.
Além disso, fala-se pouquíssimo para essas mulheres que cultivam a dúvida, que simplesmente ainda não chegaram a nenhuma conclusão, que não foram visitadas pelo desejo materno e não decidiram nem pelo sim, nem pelo não. Gostaria muito de poder ouvir outras histórias. Acredito que isso pode contribuir para ampliarmos essa visão, nos ajudando a refletir a partir do aprendizado e das vivências de outras mulheres. Vamos trocar mais a respeito?
Para ampliarmos essa conversa, convidamos a Dra. Tatiane Boute, que é médica ginecologista e obstetra, para nos contar a respeito desse assunto que traz inquietude para muitas mulheres em seu consultório.
“Recentemente, aprendi o termo em inglês NoMo - que significa “Not Mother” e denomina as mulheres que não desejam ter filhos e, mais do que isso, buscam respeito e acolhimento por essa decisão.
No consultório, noto que mulheres têm feito essa opção, não sem antes passar por um período de conflito devido à pressão social e familiar contrária (em pleno 2024, já deu, né?).
A taxa de fecundidade (número médio de filhos que uma mulher tem ao longo da vida) vem diminuindo nas últimas décadas no Brasil - atualmente ela é 1,6, a menor já registrada (segundo IBGE).
Como médica ginecologista, faz parte da consulta a pergunta “quando você vai ter filhos?”- mas sempre sem julgamentos, apenas porque precisamos pensar no planejamento da gestação ou em algum método contraceptivo. A resposta “não sei, vou deixar para daqui a alguns anos” requer alguns esclarecimentos e total transparência, uma vez que a fertilidade é inversamente proporcional à idade da mulher. Quão fácil é engravidar espontaneamente? Enquanto aos 30 anos, 80% das mulheres engravidam em até um ano de tentativa; entretanto, na faixa entre 40 e 42 anos esta taxa cai para 20% e entre 43 a 45 anos chega a apenas 1%.
Clareza entre as suas próprias expectativas e as expectativas do seu parceiro(a), da sua família e da sociedade nem sempre é fácil (haja terapia!).
Nos casos em que a maternidade não é desejada no momento mas pode estar em lugar no futuro, optar por congelamento de óvulos pode ser uma boa estratégia. Esse processo vai permitir, por exemplo, que a mulher engravide com 40 anos usando óvulos com idade de 32 anos, o que aumenta a chance de sucesso. Ponto negativo: o custo do processo e algumas contra-indicações ao estímulo hormonal.
Conhecer esses dados é fundamental para que não ter filhos possa ser uma opção voluntária - e não uma impossibilidade.
Um artigo publicado em 2022 (”Childlessness: Concept Analysis”) relata que a opção por não ter filhos tem sido historicamente vista com conotação negativa devido ao “potencial impacto na sobrevivência da espécie humana”. Na antiguidade, a infertilidade era vista como um castigo divino. A maioria dos estudos analisa a opção de não ter filhos pela perspectiva da mulher, como uma expressão de uma vida independente, já que nas gerações anteriores a vida da mulher era construída ao redor dos seus papéis como esposa e mãe. Poucos estudos avaliam a opção masculina de não ter filhos.
E por quais motivos uma mulher opta por não ter filhos? O artigo cita alguns fatores: 1) a maternidade é adiada (seja por questões de parceria ou sociais) até que a mulher se ajusta à vida sem filhos e perde o desejo; 2) a busca por níveis mais altos de educação e posições no mercado de trabalho (alô, desigualdade de gênero!). Certa vez, uma paciente me contou que a falta de exemplos de mulheres mais velhas que fizeram esta opção e hoje estão felizes foi um fato que dificultou a sua escolha por não vivenciar a maternidade - mas que hoje ela se vê como um exemplo para as mais jovens que podem querer seguir pelo mesmo caminho.
Paul Dolan, professor da London School of Economics e especialista em felicidade, desbanca em seu livro Happy Ever After o clichê de que a mulher solteira e sem filhos é infeliz - os estudos mostram exatamente o oposto.
Espero que toda mulher possa viver suas escolhas, seja pela maternidade ou por outras realizações pessoais e profissionais, em um ambiente de respeito e aceitação. Estamos aqui para apoiar umas às outras, reconhecendo e valorizando a diversidade de cada jornada."
Alguns livros e outros insights:
Assistir: Ted Talk “The lost tribe of childless women” Jody Day - Relata sobre a perspectiva de mulheres não mães e os variados motivos, pensamentos e sentimentos de outras mulheres que não tem filhos seja por escolhas, razões médicas ou qualquer outras circunstâncias. E sobre a dificuldade, perante a sociedade, em ser uma mulher sem filhos.
Ler: “Happy Ever After: Escaping The Myth of The Perfect Life” O autor Paul Dolan baseia-se numa variedade de estudos que abrangem o bem-estar, a desigualdade e a discriminação para acabar com os mitos comuns sobre as nossas fontes de felicidade. Ele mostra que pode haver muitos caminhos inesperados para a realização duradoura.
Assistir: TED Talk Jane Fonda: O terceiro ato da vida, contribui para ampliarmos repertório e refletirmos sobre a Autocompreensão. Para ela não importa quem fomos, mas o que tornamos com quem somos.
Edição de Letícia Becker
Obrigada pelo convite! Que essa conversa seja um abraço para muitas mulheres❤️