Escrito por Erika Rampazo com texto de Vanessa Heinrich
Cada pessoa, um tempo! Ainda assim, sentimos uma crescente na dificuldade de enfrentarmos a complexidade no fato de que os dias, meses e anos, de repente, passam tão depressa.
A verdade é que não existe uma regra ou garantia de que fazer Y ou Z possam aumentar nossa expectativa de vida, mas podemos fazer escolhas melhores para lidar com a amplitude e a imensidão que é a vida.
Despertador toca, levanto da cama, tomo banho, arrumo as crianças, coloco a comida do cachorro, tomo café, pego a chave do carro, deixo as crianças na escola, chego no trabalho: Ufa!! Trabalho, trabalho, trabalho, como algo rápido e a rotina se repete. É uma corrida que sem nos darmos conta deixamos, muitas vezes, de olhar para a VIDA. Olhar para aquilo que é importante e que pode nos possibilitar ter um futuro mais longevo e com qualidade.
Criar condições para um futuro mais ativo, com qualidade e melhor disposição, é ampliar as nossas lentes para percorrermos alguns caminhos como: comer com consciência, mover-nos naturalmente entre situações que verdadeiramente signifiquem em nossa rotina, escolher caminhos e pessoas que nos fazem mais felizes. Pesquisas relatam que quando as pessoas estão mais conectadas umas com as outras, isso não apenas as deixa mais felizes, mas contribui para que sejam mais saudáveis.
As coisas que nos ajudam a ter uma vida longa e saudável são as mesmas que fazem tudo valer a pena. É uma engrenagem na qual um hábito consciente contribui para o outro e assim nos sentimos mais vivos.
“O que se vive não é tão importante quanto pensar em como se vive ou para quê viveu”
É o trecho da obra de Ana Cláudia Arantes no livro A morte é um dia que vale a pena viver. A autora agrega revelando que talvez a forma mais fácil de viver bem seja incorporar em nosso dia a dia pontos relevantes para nossa existência como: demonstrar afeto, permitir-se estar com os amigos, fazer-se feliz, a sensação de fazer as próprias escolhas, trabalhar com algo que faça sentido no seu tempo de vida, e não só no tempo de trabalhar. Sem arrependimentos.
Para ampliarmos os insights convidamos a Dra. Vanessa Heinrich, ginecologista endócrino e mulher inspiradora, para trazer a sua perspectiva sobre o assunto.
“Todos nós queremos esticar a nossa existência. A ciência atual da longevidade entende que mais importante que viver mais, sem funcionalidade, sem felicidade, é nos levar com autonomia, saúde física e mental para as nossas décadas marginais de vida. Afinal, ficar velhinho, inútil, doente e acamado, não é o sonho de longevidade de ninguém.
Agora, imagine só: o vestidinho preto perfeito. Feito sob medida, com o tecido mais macio já visto, as costuras mais firmes e precisas e os botões mais perfeitamente alinhados. Porém, como esperado para uma peça de alta costura, ele é único, sem direito a reposições e trocas.
Você quer que ele resista ao desbotamento do tempo, que transcenda a moda e acompanhe as demandas do seu corpo, em diferentes momentos. Tão perfeito. Você queria preservá-lo, guardá-lo numa gaveta e protegê-lo da luz, para simplesmente ele existir para sempre. Mas você sabe que a falta de uso vai fazê-lo frágil e que é no fundo da gaveta que moram as traças. Melhor usá-lo. Então você o usa com sabedoria e cuida dele com carinho. Investe no melhor sabão, lava ele na mão, não esfrega, não torce, não rasga, não deixa qualquer um usar. Tira bolinha por bolinha assim que cada uma surge e fica atenta para a necessidade de qualquer pequeno reparo, quando um acidente ou outro acontece. Usa com atenção, longe do fogo, longe das unhas do gato.
Ele te acompanha nos momentos mais felizes. Pareado perfeitamente com botas, saltos, tênis, chinelos. Versátil. Ele se adapta a você, que tem suas limitações, diferentes a cada década. Resiliente.
Você sabe que ele não vai durar para sempre, que vai puir, desbotar, pode até sair de moda. Eventualmente ele vai ficar curto ou justo demais para você. O que você quer é mantê-lo funcional pelo maior tempo possível.
Infelizmente, não temos ainda a pílula mágica da longevidade. Esticar a sua saúde e funcionalidade pelo maior tempo possível e morrer o mais tarde que puder, ainda com vida, exige cuidar de alguns pilares: dieta, atividade física, sono de qualidade, equilíbrio social, contato com a natureza. É trabalhoso.
A dieta é um pilar robusto dessa estrutura. Você nunca contornará os danos de uma dieta ruim com atividade física, suplementos e vitaminas. A ciência concorda pouco com qual tipo de estratégia alimentar desacelera o nosso relógio biológico. Mas, evitar condições chaves como resistência insulínica e obesidade, que são o caminho comum para diabetes, derrames, infartos, cânceres e Alzheimer, é um excelente começo. Evite excesso de calorias, evite alimentos processados, aumente a carga de proteína, controle o consumo de carboidratos, dificilmente você errará com essas estratégias.
Exercício é inegociável na equação da longevidade. Mantenha-se ativo fisicamente. Use seus músculos e articulações. Treine força, resistência e mobilidade. Diversifique, ache algum esporte que também o divirta. O melhor exercício é o que você faz. Entre os momentos de academia, mantenha-se ativo. Agache, levante sacolas, estique-se até a prateleira mais alta, empurre o sofá. E sempre que realizar essas simples tarefas, agradeça ao seu corpo e pense em como você gostaria de realizá-las até o fim dos seus dias. Talvez a pressão do verão chegando e a vontade de se sentir confiante num bikini minúsculo não te motive o suficiente para engrenar numa agenda de exercícios físicos, já você aos 90 anos, sentando-se sozinha no vaso sanitário, pode ser uma imagem mais poderosa.
Sono. Com qualidade e quantidade. O conhecimento da função e da importância do sono foi um grande e recente avanço da medicina. Usar remédios todas as noites para dormir, não é normal. Procure um especialista.
Rastreie e trate precocemente doenças potencialmente fatais. Tirar 20 tubos de sangue não significa necessariamente cuidar da sua saúde, mas siga a agenda de colonoscopia, endoscopia, mamografia, exames de próstata e Papanicolau desenhados para a sua faixa etária.
Vacine-se. Olhe para os lados antes de atravessar a rua. Evite imprudências, cigarros e vapers, inclusive. Evite excessos. Talvez o benefício do resveratrol contido no vinho seja superestimado e o consumo frequente recomendado, um equívoco.
Por último, mas não menos importante, como na bíblia da longevidade, recentemente publicada pelo médico e sensato Peter Attia: cuide da sua saúde mental. De nada adianta uma vida longa e infeliz. Um forte e alegre convívio social é a cereja do bolo na vida de povos longevos.
Recentemente, um trecho da obra de Carla Madeira me deixou pensativa. Ele dizia que na juventude, nosso corpo é nosso aliado, cúmplice e amigo. E que com a idade, nos separamos, ele nos desobedece, discorda e expõe ao ridículo.
A longevidade que buscamos é a amizade eterna e a fina sintonia entre nós e nosso corpo. Que ele seja vestidinho pelo maior tempo possível e não se acabe como pano de chão.”
Alguns livros e outros insights:
Ler: “Outlive: A arte e a ciência de viver mais e melhor". O Autor Peter Attia com Bill Gifford traz uma abordagem estratégica e científica, Peter Attia lança um novo olhar sobre a longevidade, em busca de saúde física, cognitiva e emocional.
Ler: “ A morte é um dia que vale a pena viver: e um excelente motivo para se buscar um novo olhar para a vida". A autora Ana Cláudia Quintana Arantes, uma das maiores referências sobre Cuidados Paliativos no Brasil, aborda o tema da finitude sob um ângulo diferenciado. Segundo ela, o que deveria nos assustar não é a morte em si, mas a possibilidade de chegarmos ao fim da vida sem aproveitá-la, de não usarmos nosso tempo da maneira que gostaríamos.
Assistir: Minissérie Como viver até os 100 - Os segredos das zonas azuis. Disponível na Netflix.
Assistir: Série This is us - usando a família Pearson (e aqueles que os cercam) no centro dos episódios, a série mostra os conflitos, desencontros e dramas familiares em uma mistura de momentos (importantes, mas também cotidianos) de presente, passado e futuro. Disponível na Star+ e Prime Video.
Assistir: A million Little Things - um grupo de amigos percebe que precisa aproveitar mais a vida quando um deles morre de repente. No caminho, eles percebem que a amizade pode ser o único modo de salvá-los deles mesmos. Disponível na Globoplay.
Assistir: Love Me - uma família vivencia o amor, a perda e a complexidade das relações interpessoais. Disponível na Paramount+.
Edição de Letícia Becker