Escrito por Leticia Becker com textos de Rachel Helidonis e Mariana Lopes
Moda é comportamento, sabemos. Mas quando olhamos para uma tendência de consumo massificada podemos acabar por desassocia-la de nosso comportamento pessoal, esquecermos que ela massificou por provocar uma sensação necessária na maioria das pessoas no momento de agora.
Compreender quais estímulos viralizam como movimento estético é consequência, assim, de entendermos o comportamento atual, que se mostra cada vez mais plural e polarizado.
Nesse cenário vemos a moda promovendo fontes visuais muitas vezes contraditórias na mesma temporada. O que falar da febre “Barbie Core” no mesmo período do "Quiet Luxury"?
É sobre essa perspectiva sobre o Consumo que convidamos uma facilitadora e uma aluna da TRIO para abrirmos a roda. Sāo elas: Rachel Helidonis, que possui conosco um workshop que promove o essencialismo no vestir e Mariana Lopes, que sempre nos trouxe muito por meio de seu olhar social e filosófico sobre a moda.
Mari Lopes é cirúrgica e abre a conversa com a pergunta:
"Entre o inalcançável luxo silencioso e a explosão de rosa e silhuetas super femininas para onde vai seu olhar de consumo?
Ainda me impacta o quanto a TV e cinema exercem poder de ditar tendências de comportamento mesmo com tantas mudanças na atualidade. Como estas duas grandes mídias captaram e trabalharam com maestria o Zeitgeist, espírito do tempo, e ditaram nossos comportamentos e consumo.
Não à toa um programa de TV, um julgamento que foi midiático e um filme trouxeram duas grandes tendências de moda tão antagônicas que chegam a ser semelhantes.
Já fazia um bom tempo que as paletas mais acromáticas, a alfaiataria e os tecidos mais nobres ganhavam voz em semanas de moda, nos perfis de influencers de moda e já apareciam nas grandes redes de fast fashion, mas foi o julgamento midiatizado que envolveu a atriz Gwyneth Paltrow e a última temporada da série The Succession que destacaram o conceito Quite Luxury. Não acredito que este termo possa designar uma tendência, já que se trata mais de uma conduta social que fala de algo muito comum desde as cortes absolutistas europeias dos séculos XVI ao XIX: a distinção de classe através da vestimenta. Também acredito que converse com Marx e sua teoria do fetichismo da mercadoria.
Sendo tendência ou não a verdade é que se jogar no cardigan bege e na calça de linho branca virou um grande código de desejo, mesmo que o cardigan não seja de cashmere Loro Piana e o linho da calça venha misturado com algum outro tecido mais barato e comprado em alguma fast fashion por aí.
E no outro extremo ao final das férias de julho, com uma campanha de marketing muitíssimo bem executada, chegou às telas o filme da Barbie e com ele todos os clichês estéticos que permeiam o universo da boneca mais famosa do mundo. Assistir ao filme da Barbie foi uma das experiências mais nostálgicas que vivi nos últimos tempos, um quentinho no coração depois de dois anos pesados de pandemia. O lugar seguro da nostalgia foi uma das apostas dos escritórios/ bureaus de tendências, que vinham se confirmando nos últimos anos, bem como a cor pink que despontou já faz algum tempo nas coleções de grandes marcas como Jacquemus e Valentino. O barbiecore, como muitos vêm chamando, também conversa um pouco com o dopamine dressing, não?
Foto: Pinterest - VM da Valentino | Paris | Inverno 2022
Com uma estética nada minimalista e super colorida e divertida. Gosto muito da proposta da boneca que embora reforce padrões estéticos, nasceu com a pedida de representação e de protagonismo. Uma boneca que não era um neném a ser cuidado por meninas, mas que projetava novas possibilidades de lugares e situações para elas em um período em que a mulher começa a ocupar o mercado de trabalho a partir do pós-guerra, mas que ainda era muito limitante e condicionado ao se casar e ter uma família (aqui vale assistir a serie Maravilhosa Mrs. Meisel).
A verdade é que esta boneca embora tenha perdido sua relevância nos anos 2010, permeou o imaginário e a infância de muitas gerações e os estúdios conseguiram capitar esta essência que via no campo da moda um terreno fértil para alavancar diversas industrias, inclusive a do varejo de moda."
Com essa perspectiva como base podemos aprofundar no sentido de que por trás de toda a massificação de uma tendência há a perspectiva individual. Não podemos desassociar um movimento de consumo da compreensão dos desejos de moda na sociedade de agora.
Entre os livros que sugerimos abaixo, em alguns livros e outros insights, está o Mentes Consumistas da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva. Segundo a autora, em uma sociedade que valoriza os indivíduos por aquilo que eles têm, faz com que todos vivam em uma “eterna corrida maluca para alcançar um status que, ao ser atingido, já deixou de ter valor.” Mas se o vestir é ferramenta de pertencimento social, as escolhas de consumo não deveriam ser mais conscientes?
Olhar o uso da moda como meio de nos sentirmos pertencentes a um grupo ou a um tempo é um fato já bastante costurado e nos empresta a compreensão de que o auto conhecimento é o primeiro dos meios para nos colocarmos menos alheios aos efeitos manada de uma tendência de moda.
Nunca no sentido de que não podemos usar de códigos visuais massificados para construirmos nossa própria narrativa pessoal, mas que isso só aconteça a partir de constante validação sobre nossas escolhas. Tenho como perspectiva que uma escolha consciente é uma escolha mais feliz.
Para aterrizarmos e trazermos o tema com perspectiva de auto análise, Rachel nos lembra que consumir sempre foi sobre sentir. E está nessa percepção, latente e contínua, um caminho para refletirmos sobre o que poderia ser um consumo autêntico.
"Para mim, consumir de forma essencialista não diz respeito apenas a consumir menos, mas sim a consumir melhor. Acredito que a pandemia trouxe holofotes intensos sobre a maneira que viemos nos colocando no mundo, e segue reverberando em tempos que tudo parece ter “voltado ao normal”.
Fenômenos como o “quiet luxury” tomam conta das mídias promovendo um olhar mais simplista para a maneira que vivemos e, consequentemente, vestimos. Claro que a forma que esse movimento é divulgado pode parecer inacessível para grande parte da população, pois muitos focam apenas no “luxury”, evidenciando as cifras altíssimas de cashmeres que custam cerca de USD 2.000.
Prefiro fragmentá-lo e focar no “quiet” mais do que no “luxury”. Meu estilo de vida, ainda que eu não tivesse consciência sobre até alguns anos atrás, sempre foi direcionado ao significado dado ao que possuo.
Mais do que a marca ou o valor dos itens, me apego ao quanto ele ressoa com minha essência… quais sensações são despertadas quando em contato com eles.
Exercício esse que só acontece com naturalidade e fluidez graças ao autoconhecimento. Autoconhecimento esse que faz com que eu me questione constantemente, com que eu me permita usufruir do momento presente e… sentir! Por muitas vezes, o sentir pode gerar desconfortos, pode fazer com que tenhamos que lidar com questões íntimas com as quais não queremos confrontar.
Foi assim comigo, por muito tempo…
Foto: Instagram Adidas Original - lançamento Humanrace Samba Tones by @pharrell
Ter crescido em um lar pouco estruturado e “sem luxos” - que hoje tenho consciência que eram mais do que essa expressão soava na época - fez com que, na fase adulta, eu buscasse compensar certas faltas com artigos materiais.
Acreditava que o abandono do meu pai poderia ser suprido com uma bolsa caríssima, que a morte da minha mãe poderia ser curada com um look da moda, que meus medos e incertezas ao me tornar adulta poderiam ser resolvidos se estivesse com o externo “em ordem”.
Seguia em uma espiral de consumo e desapego frequentes. Sim! O excesso sempre me incomodou, o que fazia com que o ciclo compra - doa/vende - compra se fizessem presentes até que eu me desse conta que nenhuma dessas coisas me dariam a segurança que buscava nelas.
Segurança essa que veio apenas quando me joguei em um mergulho profundo dentro de mim. Um mergulho profundo, silencioso… que me fez perceber que luxo mesmo temos quando acolhermos nossa história com o bom e com o ruim. Precioso mesmo é ressignificarmos nossas experiências de maneira a revelarmos para nós e para o mundo a potência que existe em “ser”.
A partir dai, a vida ganhou um brilho diferente! Muito mais reluzente que aquele presente em ouro e diamantes! E a necessidade de consumir para preencher vazios com coisas, desapareceu!
Para mim, esse é o significado verdadeiro de “quiet luxury”!”
Alguns livros e outros insights:
Ler: “Mentes Consumistas” de Ana Beatriz Barbosa Silva.
Ler: “A estetização do Mundo: viver na era do capitalismo artista” de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy.
Ler: “Imagem - Cognição, semiótica, Mídia” de Lucia Santaella e Winfried Noth.
Ler: “Autoconhecimento” de Alain de Botton, fundador da The School of Life.
Ler: “Essencialismo: A disciplinada busca por menos” Greg McKeown- As coisas que você só vê quando desacelera de Haemin Sunim.
Assistir: “Os Minimalistas” Netflix
Ouvir: No podcast: “Rachel Helidonis - Como saber se uma compra é ou não essencial” clique aqui.
Ouvir: No podcast: “vibes em análise - COMPRO, LOGO EXISTO?” clique aqui.
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