Escrito Leticia Becker com textos de Juliana Arruga e Giulianna Iodice
Zeitgeist é um termo em alemão. Corresponde ao espírito do tempo, que embora possua grande subjetividade em seu significado desde Jung passou a ser compreendido como o inconsciente coletivo e por isso utilizado para falarmos de tendências comportamentais e seus reflexos.
Na última quinta-feira, em uma Roda de Conversa, trocamos sobre as diferenças entre os dois tipos de mindsets que norteiam o modo como fazemos e exploramos ideias, conceitos e negócios. Se até pouco tempo atrás a competitividade era caraterística das relações profissionais, a cooperatividade é o ambiente majoritário de agora.
Se antes uma grande ideia crescia à sete chaves, hoje os maiores movimentos intelectuais, artísticos e comerciais ganham estrutura e alcance a partir da colaboratividade.
Com esse panorama, que vemos como positivo e a cara do que desejamos para esse Zeitgeist, convidamos duas mulheres - a pesquisadora e curadora de arte, Juliana Arruga e a jornalista especializada na área da gastronomia, Giulianna Iodice - para ampliarmos o tema por aqui.
Juliana Arruga nos recorda dos grandes exemplos no universo da arte e do quanto estamos muito mais abertos para apreciarmos colaborações atualmente.
Foto: Vestido Lobster, de Elsa Schiaparelli em colaboração com o artista espanhol Salvador Dalí.
"As collabs são cada vez mais comuns hoje em dia, sejam em parcerias envolvendo empresas, personalidades e artistas. No universo da moda e da arte, essa prática tem sido bem usual e sempre dá o que falar! Vide a viralização nas redes sociais da parceria entre a artista japonesa Yayoi Kusama e a marca francesa Louis Vuitton no início deste ano, na qual havia robôs hiper-realistas da artista pintando as vitrines das lojas em Nova Iorque e Paris. Ou quem não se lembra dos famosos vestidos de Yves Saint Laurent estampados com as telas de Piet Mondrian, realizados em 1965. Voltando um pouco mais para o início do século XX, para 1937 especificamente, uma das primeiras grandes collabs foi a da estilista italiana Elsa Schiaparelli e do artista espanhol Salvador Dalli, com o ilustre The Lobster Dress (O vestido lagosta).
Foto: Escultura parte da campanha da colaboração de Yayoi Kusama e a Maison Louis Vuitton, encontradas nas instalações das lojas de Nova York, Paris e Tóquio.
O fato é que as collabs, ou melhor dizendo, as colaborações sempre existiram ao longo da história, e na história da arte não foi diferente. Dentre as muitas colaborações entre artistas, há uma que se tornou icônica na arte contemporânea: Andy Warhol e Jean-Michel Basquiat!
Os dois artistas foram oficialmente apresentados pelo marchand suíço Bruno Bischofberger em 1982, que teve a ideia de unir 3 artistas numa nova empreitada comercial: Andy Warhol, Jean-Michel Basquiat e o artista italiano Francesco Clemente. Os três produziram cerca de 50 telas a seis mãos. As obras foram vendidas na galeria de Bruno, em Zurique em 1984.
Ao retornarem à NY, Warhol e Basquiat seguiram com a colaboração – em segredo! A sinergia entre os dois era tão boa, que entre 1984 e 1985 produziram cerca de 160 telas!
Foto: Basquiat x Warhol: Painting Four Hands.
“Andy começava a maioria das pinturas. Ele colocava algo muito reconhecível, um logotipo de marca, e eu meio que desfigurava. Então tentava atraí-lo de volta, para que pintasse novamente", comenta Basquiat em uma entrevista na época.
Basquiat conseguiu o feito de fazer Warhol voltar aos pincéis! Pois o artista já não trabalhava mais com pintura, e se dedicava exclusivamente à serigrafia e às colagens na década de 1980.
Durante o processo de criação, um completava o outro, e a colaboração entre os dois, se torna uma nova exposição em setembro de 1985. As famosas fotografias dos dois artistas como boxeadores são feitas pelo fotografo Michael Haslband para divulgação!
Na ocasião, apesar de toda expectativa, a exposição não é bem aceita pelos críticos novaiorquinos, e a amizade dos dois fica abalada, com os fortes rumores que o jovem e promissor Basquiat era usado pelo experiente Warhol para voltar aos holofotes do mercado da arte.
Infelizmente, pouco tempo depois da exposição e desentendimento dos dois artistas, Andy Warhol falece em decorrência de uma cirurgia para retirada da vesícula em 1987, aos 58 anos. No ano seguinte, 1988, Jean-Michel Basquiat também falece aos 27 anos, de overdose de heroína.
Foto: 30 anos das obras colaborativas de Andy Warhol e Jean-Michel Basquiat.
Cerca de quase 40 anos depois, a colaboração entre Basquiat e Warhol volta a ser celebrada! Os temas tratados pel foos dois artistas, envolvendo a sociedade de consumo e a inserção da cultura afro-americana na arte estadunidense volta a pauta atual. A amizade e parceria entre Basquiat e Warhol vira o tema da peça A colaboração, realizada em 2021, no teatro Young Vic, em Londres. E recebe atualmente uma grande exposição na Fundação Louis Vuitton em Paris: Basquiat x Warhol. Painting 4 Hands. A mostra exibe cerca de 80 obras dessa colaboração, além de obras individuais de Basquiat e Warhol, além de fotografias e documentos para enaltecer a parceria e amizade desses dois grandes ícones da arte norte-americana.”
A jornalista Giulianna Iodice, que é também autora da newsletter “Como, logo escrevo”, coincidentemente visitou essa exposição e amplia a partir do ponto de vista de que a colaboração entre esse dois artistas não apagou a personalidade de cada um deles vista individualmente, mas possibilitou que algo novo e potencial fosse criado, os destacando em características individuais.
Essa compreensão está super explorada no ambiente da gastronomia por meio da união de chefs e compartilhamento de menus, nos oferecendo jantares inesquecíveis.
"No mês de julho tive o privilégio de visitar a exposição Basquiat x Warhol: Painting Four Hands, na Foundation Louis Vuitton (em Paris), que está prestes a sair de cartaz, no dia 28 de agosto. Ao começar a admirar os trabalhos, mais de 160 obras realizadas entre 1984-1985, foi impossível não pensar como duas mentes geniais se fundiram de forma que, por mais que o resultado seja algo totalmente novo, ainda é possível identificar traços claros de Basquiat e Warhol, num equilíbrio que apenas parcerias bem-sucedidas conseguem atingir.
Costumo ter a mesma postura que adentrei a fundação quando chego a encontros inéditos entre chefs de cozinha, algo que vem se repetindo frequentemente neste último ano. Chego curiosa e com a expectativa de ser surpreendida. Busco, atenta, referências dos trabalhos de cada um, e me pergunto: haverá equilíbrio? Haverá harmonia? Ou serão justamente os contrastes que surpreenderão?
Sempre enxerguei a boa gastronomia como uma forma de arte. É sobre pegar ingredientes e, com o uso de técnicas, transformar aquilo em algo único e que agrade as papilas gustativas. Mas até o prato chegar à mesa, penso sempre no processo criativo do cozinheiro por trás dele. É um conjunto de referências, vivências, estudos e criatividade que ditarão o que nasce primeiro no pensamento e depois, vai para o prato.
Já convivi com cozinheiros obcecados por estudos, que se aprofundam em livros para desenvolver menus; já vi coisas surpreendentes como aqueles que trocam o menu com frequência, e em algumas horas, desenvolvem um menu baseado na disponibilidade de ingredientes; há aqueles que também estão constantemente viajando, criando um diário de viagem baseado em sabores; e muitos outros tipos de criativos.
Talvez, o fascínio por compreender o que e quem está por trás dos pratos, seja exclusivo meu. E acredito que esse é o motivo que sou surpreendida todas as vezes que presencio a união de duas, quatro ou mais mãos em um só jantar. A gastronomia, que sempre teve sua legião de fãs comilões, se tornou um verdadeiro hype nos últimos anos. Agora, cada vez mais distantes do período pandêmico, a busca por experiências segue crescente. Se forem inéditas, e não se repetirem com frequência, melhor ainda, e acredito que esse seja o maior motivo para tantos encontros entre cozinheiros e tanta aderência do público.
É sempre mais fácil a empatia imediata quando os estilos de cozinha são similares. Um dos melhores momentos deste meu 2023 gastronômico foi quando a Japan House foi palco de uma experiência imersiva que incluía menu degustação dos chefs Telma Shiraishi, Edson Yamashita, Marcio Shihomatsu e Rafael Aoki. Não posso deixar de mencionar também o Cora, restaurante querido no centro de São Paulo, que convida com bastante frequência cozinheiros, num ato de generosidade e acolhimento do Pablo Inca – parece que ali, depois de subir até o sexto andar, tudo e todos conversam perfeitamente. Numa noite bonita e estrelada em Salvador, também vivi o encontro entre o casal Lisiane Arouca e Fabricio Lemos, dentro de seu restaurante Origem, com os chefs convidados Caio Soter (a frente do Pacato, em BH) e César Costa (do Corrutela). A mistura entre estados deu um baile bom.
A vida é, sim, sobre encontros. Por isso, mal posso esperar para vivê-los – na verdade, neste caso, comê-los."
Na Trio, acreditamos na colaboratividade, essa newsletter é feita em muitas mãos, é colaborativa. Além disso temos fomentado as Rodas de Conversa por encontrarmos nelas esse resultado único que só alcançamos com a atmosfera plural e particular do pensar em conjunto. A novidade fica a cargo de uma nova agenda interna que interliga facilitadores para propormos experiências complementares em si. Fique de olho em nossa programação.
Alguns livros e outros insights:
Site: Louis Vuitton Yayoi Kusama uma experiência sensorial: circule o mouse pelos site.
Ler: “Manual anticapacitista: o que você precisa saber para se tornar uma pessoa aliada contra o capacitismo.” Carolina Ignarra e Billy Saga.
Ler: “Como Salvar o Futuro: ações para o presente”. André Carvalhal.
Ler: “Economia Colaborativa: recriando significados coletivos.” Felipe Cunha.
Livro: “Revolução da Moda: Jornada para sustentabilidade”. Fashion Revolution Brasil. Organização Eloísa Artuso e Fernanda Simon.
Colaboração não é produto. É a forma de fazer as coisas. É um ato político e pode ser a chave para grandes transformações que precisamos criar enquanto sociedade. Mari Pelli.
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